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SEMELHANÇAS ENTRE A FÍSICA QUÂNTICA E A FILOSOFIA BUDISTA MADHYAMAKA

December 7, 2016 7:12 pm    Back to Home

Por Daniel Oberhaus / 17 de Novembro de 2015

Desde que Copérnico publicou “Das revoluções de esferas celestes”, em 1543, para apresentar sua cosmologia heliocêntrica e, assim, dar o pontapé inicial da investigação científica moderna, tem existido uma trégua incômoda entre ciência e religião. Embora Copérnico não tenha sido perseguido em função de suas opiniões pelas autoridades religiosas dominantes – o papa Clemente VII, inclusive, manifestou grande interesse pela obra de Copérnico, que, por sua vez, acabaria dedicando ao papa Paulo III sua obra “Das revoluções” -, seu herdeiro intelectual, Galileu, não teve tanta sorte quando enfrentou a Inquisição Romana em 1633 – prova da fragilidade desta trégua filosófica.

Essa abordagem excludente de mundo, em que os fenômenos ou são analisados pela lente científica ou pela lente da religião, tem influenciado a investigação científica desde que Galileu foi submetido à prisão domiciliar por suas visões heréticas (porém, cientificamente precisas). O legado disso ainda pode ser visto nos bate-bocas acalorados entre aqueles que, motivados pela religião, negam as mudanças climáticas e os que são defensores militaristas da ciência, conhecidos como os Novos Ateus.

Mas, e se houvesse uma abordagem de mundo diferente, que não exigisse que ficássemos entrincheirados ou no campo da ciência ou no campo da religião?  Essa foi a pergunta de Tenzin Gyatso, o 14º Dalai Lama, quando presidiu um congresso de dois dias sobre física quântica e filosofia Madhyamaka (uma das principais escolas de pensamento budista), em Nova Deli, na Índia, na semana passada. E de acordo com Sua Santidade, encontrar uma maneira de reconciliar filosofias científicas e religiosas pode acabar sendo essencial para o futuro da nossa espécie.

“Espero que congressos como esse possam servir para dois motivos: ampliar o nosso conhecimento e aperfeiçoar nossa visão da realidade, para que possamos lidar melhor com nossas emoções aflitivas”, disse o Dalai Lama ao abrir o evento na quinta-feira. “Muito cedo na minha vida, a ciência era aplicada para fazer avançar o desenvolvimento material e econômico. No fim do século XX, os cientistas começaram a notar que a paz mental é importante para a saúde física e o bem-estar. Como resultado da combinação entre acolhimento e inteligência, espero que nos tornemos mais preparados para contribuir com o bem-estar da humanidade.”

O Dalai Lama nunca foi avesso à ciência e, desde que iniciou seu mandato como líder no exílio do Tibet, ele vem defendendo a conciliação entre a ciência e a filosofia oriental (até mesmo o presidente chinês Mao louvou o Dalai Lama por sua “mente científica”, logo após lembrar Sua Santidade de que “religião é veneno”). Essa interseção de interesses estava visível na diversidade da plateia, composta por cerca de 150 bhikkhus tibetanos, acadêmicos e estudantes que se amontoaram no centro de convenções da Universidade Jawaharlal Nehru (JNU) para ouvir o Dalai Lama e a mesa composta por físicos e eruditos monásticos debaterem a interseção entre física quântica e a filosofia budista Madhyamaka.

Conforme o Dalai Lama relatou no início do congresso, em Nova Deli, ele só se deu conta da interseção entre ciência quântica e Madhyamaka (uma das principais escolas de pensamento do budismo) cerca de 20 anos atrás, depois de um debate com o já falecido físico nuclear indiano Raja Ramanna.

Segundo Sua Santidade, Ramanna lera os textos de Nagarjuna e estava impressionado com a semelhança entre as ideias do filósofo Madhyamaka, de dois mil anos atrás, e sua própria compreensão de física quântica contemporânea.

Em termos gerais, existem no budismo duas principais escolas filosóficas, conhecidas como Mahayana e Theravada. A escola Madhyamaka (“alguém que se atém ao meio” ou “o caminho do meio”) faz parte da linha Mahayana de pensamento, e foi desenvolvida por Nagarjuna no século II. Embora, ao longo dos anos, tenham surgido inúmeros comentários à obra de Nagarjuna, com interpretações ligeiramente diferentes da filosofia dele, a ideia central que as une é a vacuidade.

No pensamento Madhyamaka, todas as coisas são vazias, uma vez que não contêm uma essência ou existência intrínseca. Essa vacuidade não se aplica somente às pessoas e às coisas, mas também às categorias analíticas usadas para descrevê-las. Segundo Nagarjuna, essa vacuidade é resultado da origem dependente de todas as coisas. Em outras palavras, todos os fenômenos carecem de uma existência inerente própria porque sua própria existência depende das condições que a originaram.

Porém, para Nagarjuna, alegar que nada tem uma existência inerente não é a mesma coisa que dizer que nada existe; significa, na verdade, defender que nada contém uma “natureza fixa e permanente”. Para deixar isso claro, Nagarjuna pressupôs duas verdades: uma verdade convencional e uma verdade absoluta. Assim, ele reconheceu que é possível perceber, simultaneamente, que as coisas de fato existem no mundo (a verdade convencional), bem como reconhecer que elas não dispõem de uma existência inerente (a verdade absoluta). Sustentar essas duas posições aparentemente contraditórias só é possível quando reconhecemos que a “realidade” é um fenômeno experiencial, e não um fenômeno com existência objetiva e independente da nossa experiência.

Se você está se perguntando o que essas reflexões antigas sobre a natureza da realidade têm a ver com a física quântica contemporânea, você não está sozinho.

Um dos exemplos mais notórios da interseção entre Madhyamaka e física quântica se encontra no princípio da dualidade onda-partícula, que sustenta que partículas elementares (férmions e bósons) podem apresentar características tanto de partículas quanto de ondas, mas não podem ser completamente reduzidas a nenhuma das duas.

“Parece que não há como formular uma descrição consistente do fenômeno da luz por meio da escolha de apenas uma das duas linguagens [partícula ou onda]”, disse uma vez Einstein, quando analisava a natureza da luz. “Parece que ora precisamos usar uma teoria, ora precisamos da outra. E, por vezes, utilizamos ambas. Estamos diante de um novo tipo de dificuldade. Temos dois panoramas contraditórios de realidade; separados, nenhum explica o fenômeno da luz por completo, mas juntos sim.”

Assim como a função de onda na mecânica quântica — que é uma matriz de probabilidade usada por físicos para descrever o estado de um sistema em um dado momento —, a dualidade onda-partícula aponta para um dos problemas centrais, no cerne da ciência quântica: será que existe uma realidade objetiva e independente, passível de quantificação, ou será que todas as medidas são subjetivas, em virtude do fato de que sempre dependem de um observador para aferi-las e, portanto, refletem meramente o conhecimento do observador?

Como Einstein e os físicos do congresso assinalaram, esses panoramas aparentemente contraditórios da realidade só fazem sentido se considerados lado a lado: um caminho do meio, bem como na filosofia Madhyamaka.

Por um lado, o ato da observação empurra a indeterminação da função de onda para uma realidade definida: o gato dentro da caixa ou está morto ou está vivo, o feixe de luz ou é composto por partículas ou  é composto por ondas, e isso é estabelecido por meio do ato da observação. Mesmo assim, em cada caso, a realidade subjacente é que o gato e a luz não possuem, inerentemente, a característica de estar vivo ou de estar morto, ou de ser uma onda ou partículas; na verdade, a realidade subjacente — a função de onda — é indeterminada e só pode ser quantificada como um conjunto de probabilidades.

Outro aspecto da mecânica quântica digno de nota é o princípio do entrelaçamento quântico. Esse princípio, abordado tanto por Einstein quanto por Schrödinger em 1935, ocorre quando pares ou grupos de partículas são gerados de tal forma que o estado de nenhuma partícula singular pode ser determinado. Em vez disso, cabe ao observador mensurar o estado do sistema quântico como um todo. Com um sistema entrelaçado, o estado de cada partícula está relacionado às demais; mensurar uma partícula singular, portanto, influenciaria seus parceiros entrelaçados (o que Einstein descrevia como “ação fantasmagórica à distância”), ruindo os estados sobrepostos de todo o sistema quântico.

Sua Santidade insistiu que tanto a física quanto a filosofia são necessárias na missão de suprimir a ignorância e cessar o sofrimento – que podem ser considerados os principais objetivos do budismo

Para usar os termos da filosofia de Nagarjuna, podemos dizer que a física quântica contém duas verdades: uma verdade convencional (a realidade determinada que surge por meio da observação) e a verdade absoluta (uma realidade indeterminada, expressa em probabilidades). Essas verdades da mecânica quântica refletem a filosofia Madhyamaka, na medida em que esta professa que as coisas, de fato, existem no mundo, mas não possuem uma essência intrínseca, objetiva, e derivam sua essência apenas das nossas interpretações subjetivas.

Além disso, em ambos os casos, a explicação das duas verdades é bastante similar tanto em mecânica quântica quanto na filosofia Madhyamaka. No caso da mecânica quântica, entrelaçamento é uma expressão quantificável da noção de Nagarjuna de originação dependente — o estado de uma determinada partícula quântica não é passível de descrição porque ela depende do sistema quântico como um todo, bem como os fenômenos de Nagarjuna não podem ter uma essência inerente, dado que a existência deles depende das condições que os originaram.

Essas foram as ideias levantadas durante os dois dias de congresso na JNU, em Nova Deli. Em geral, as conexões explícitas entre Madhyamaka e física quântica ficaram a cargo da interpretação da plateia. Os físicos se ativeram à física e os monásticos, ao budismo.

No entanto, do mesmo jeito que os conceitos em si – compostos por ideias aparentemente contraditórias, mas que acabam se mostrando complementares – Sua Santidade insistiu que tanto a física quanto a filosofia são necessárias na missão de suprimir a ignorância e cessar o sofrimento – esses que podem ser considerados os principais objetivos do budismo. Tanto a ciência quanto a religião têm seus propósitos específicos, porém, um sem o outro pode levar a resultados aquém do desejado. Sem falar que retrata um panorama incompleto da realidade.

“Neste momento, perante as coisas tristes que se passam no mundo, chorar e orar não vai adiantar muito”, disse Sua Santidade. “Embora estejamos inclinados a pedir a Deus ou ao Buda que nos ajudem a resolver esses problemas, é bem capaz que eles nos respondam que, já que fomos nós que os criamos, cabe a nós resolvê-los. A maioria desses problemas foi criada por seres humanos. Portanto, naturalmente, demandam soluções humanas. Precisamos adotar uma abordagem secular ao promulgar valores humanos universais. A noção de que a natureza humana básica é positiva é uma fonte de esperança [no sentido de que]…. Se realmente fizermos um esforço, podemos mudar o mundo para melhor.”

*Traduzido do artigo publicado no site Motherboard (Motherboard.vice.com)

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