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A Mente Compassiva

May 25, 2018 8:55 am    Back to Home

Emma Seppala

Décadas de pesquisa clínica concentraram-se e lançaram luz sobre a psicologia do sofrimento humano. Esse sofrimento, embora desagradável, muitas vezes também tem um aspecto favorável no qual as pesquisas têm prestado menos atenção: a compaixão. O sofrimento humano é muitas vezes acompanhado de belos atos de compaixão como expressão do desejo de ajudar a aliviá-lo. O que levou 26,5% dos americanos a se voluntariarem em 2012 (de acordo com estatísticas do Departamento de Trabalho dos EUA)? O que impulsiona alguém a servir comida em um refúgio para desabrigados, a parar na estrada no meio da chuva para ajudar alguém com um carro quebrado ou a alimentar um gato perdido?

O que é Compaixão?

O que é compaixão e em que ela é diferente da empatia ou do altruísmo? A definição de compaixão é muitas vezes confundida com a de empatia. A empatia, conforme definido pelos pesquisadores, é experienciar visceral ou emocionalmente os sentimentos de outra pessoa. É, em certo sentido, um espelhamento automático da emoção do outro, como por exemplo cair no choro frente à tristeza de um amigo. O altruísmo é uma ação que beneficia outra pessoa. Pode ou não ser acompanhada de empatia ou de compaixão, como por exemplo, no caso de fazer uma doação para obter benefícios fiscais. Embora esses termos estejam relacionados à compaixão, eles não são idênticos. Muitas vezes, a compaixão envolve uma resposta empática e um comportamento altruísta. No entanto, a compaixão é definida como a resposta emocional ao perceber o sofrimento e inclui um desejo autêntico de ajudar.

 

A compaixão é natural ou aprendida?

Embora os economistas há muito argumentem o contrário, um crescente número de evidências sugere que, na nossa essência, tanto dos animais quanto dos seres humanos está o que Dacher Keltner da Universidade da Califórnia em Berkeley, e membro da APS (Association for Psychological Science)  chamou de “instinto compassivo”. Em outras palavras, a compaixão é uma resposta natural e automática que tem garantido a nossa sobrevivência. A pesquisa de Jean Decety, da Universidade de Chicago, membro da APS, mostrou que até mesmo os ratos tendem a simpatizar com outro rato que sofre e a sair de seu caminho para ajudá-lo a livrar-se de seu problema. Estudos com chimpanzés e bebês humanos jovens demais para já terem aprendido as regras de cortesia também apoiam essas afirmações. Michael Tomasello e outros cientistas do Instituto Max Planck, na Alemanha, descobriram que bebês e chimpanzés agem espontaneamente para ajudar e até mesmo transpõem obstáculos para ajudar. Eles aparentemente fazem isso por uma motivação intrínseca, sem qualquer expectativa de recompensa. Um estudo recente indicou que o diâmetro das pupilas das crianças (uma forma de medir a atenção) diminui tanto quando ajudam como quando veem alguém ajudar, sugerindo que eles não estão simplesmente ajudando por se sentirem recompensados. Parece que o próprio alívio do sofrimento é a recompensa – quer eles estejam envolvidos ou não no ato de ajudar. Pesquisa recente de David Rand da Universidade de Harvard e membro da APS mostra que o primeiro impulso de adultos e de crianças é ajudar os outros. Pesquisas de Dale Miller, da Escola de Negócios de Stanford, membro da APS, também sugerem que isso ocorre no caso dos adultos; no entanto, a preocupação de que outros pensem que estão agindo por interesse próprio pode impedi-los de seguir o impulso de ajudar.

Não é de fato surpreendente a afirmação de que a compaixão é uma tendência natural, já que ela é essencial para a sobrevivência humana. Como elucidou Keltner, o termo “sobrevivência do mais apto”, muitas vezes atribuído a Charles Darwin, foi na verdade cunhado por Herbert Spencer e darwinistas sociais que desejavam justificar a superioridade da classe e da raça. Um fato menos conhecido é que o trabalho de Darwin é melhor descrito pela frase “sobrevivência do mais gentil”. Na verdade, em The Descent of Man e Selection In Relation to Sex, Darwin defendeu “o maior poder dos instintos sociais ou maternos em relação a qualquer outro instinto ou motivação”. Em outra passagem, ele comenta que” as comunidades, que incluíam o maior número de membros mais simpáticos, floresceriam melhor e reteriam o maior número de descendentes”. A compaixão pode, de fato, ser um traço naturalmente evoluído e adaptativo. Sem isso, a sobrevivência e o florescimento da nossa espécie seriam improváveis.

Outro sinal que sugere que a compaixão é um traço desenvolvido de forma adaptativa é que ela nos torna mais atraentes aos olhos de potenciais companheiros. Um estudo que examina a característica mais valorizada em possíveis parceiros românticos sugere que homens e mulheres concordam que a “bondade” é um dos traços mais altamente desejáveis.

Benefícios surpreendentes da compaixão para a saúde física e psicológica

A compaixão pode ter garantido a nossa sobrevivência em razão de seus enormes benefícios para a saúde física e mental e para o bem-estar geral. Pesquisas de Ed Diener, pesquisador líder em psicologia positiva, membro da APS / Cadeira de William James, e de Martin Seligman, um pioneiro da psicologia da felicidade e do florescimento humano, membro da APS / Cadeira de James McKeen Cattell, sugerem que conectar-se com os outros de forma significativa pode nos ajudar a desfrutar de uma melhor saúde física e mental e também acelerar a recuperação de doenças; além disso, pesquisas de Stephanie Brown, da Stony Brook University, e de Sara Konrath, da Universidade de Michigan, mostraram que a compaixão pode até mesmo prolongar nosso tempo de vida.

A razão pela qual um estilo de vida compassivo leva a um maior bem-estar psicológico pode ser explicada pelo fato de que o ato de dar parece ser tão ou mais prazeroso do que o ato de receber. Um estudo de imagem cerebral liderado pelo neurocientista Jordan Grafman, do Instituto Nacional de Saúde, mostrou que os “centros de prazer” do cérebro, ou seja, as partes do cérebro que são ativadas quando experienciamos prazer (como doces, dinheiro e sexo) , são igualmente ativados quando observamos alguém dando dinheiro por caridade como quando nós mesmos recebemos dinheiro! Dar aos outros aumenta o bem-estar mais do que gastar dinheiro com nós mesmos. Em um experimento revelador de Elizabeth Dunn, da Universidade da Colúmbia Britânica, os participantes receberam uma soma em dinheiro e metade dos participantes foram instruídos a gastar o dinheiro para si mesmos; a outra metade foi instruída a gastar o dinheiro com outros. No final do estudo, publicado na revista científica Science, os participantes que gastaram dinheiro com outros sentiram-se significativamente mais felizes do que aqueles que haviam gastado dinheiro consigo mesmos.

Isso também é verdadeiro no caso de crianças. Um estudo de Lara Aknin e colegas da Universidade da Colúmbia Britânica mostrou que mesmo em crianças de até dois anos, dar presentes a outros aumenta a felicidade dos doadores mais do que receber presentes. Ainda mais surpreendente é o fato de que dar nos faz mais felizes do que receber é verdadeiro em todo o mundo, independentemente de os países serem ricos ou pobres. Um novo estudo de Aknin, agora na Universidade Simon Fraser, mostrou que a quantidade de dinheiro gasto com outros (e não para benefício pessoal) e o bem-estar pessoal guardaram forte correlação, independentemente da renda, condição social, liberdade percebida e corrupção nacional percebida.

Porque a Compaixão faz bem para nós?

Por que a compaixão traz benefícios particularmente para a saúde? Uma pista para responder a essa questão foi dada em um fascinante estudo recente de Steve Cole da Universidade da Califórnia, Los Angeles, e Barbara Fredrickson, da Universidade da Carolina do Norte, membro da APS. Os resultados foram relatados na Conferência Inaugural do Center for Compassion and Altruism Research and Education (CCARE) da Universidade de Stanford, em 2012. O estudo avaliou os níveis de inflamação celular em pessoas que se descrevem como “muito felizes”. A inflamação está na raiz de doenças como o câncer dentre outras e geralmente é alta em pessoas que vivem sob muito estresse. Era esperado que a inflamação fosse menor em pessoas com níveis mais altos de felicidade. Cole e Fredrickson descobriram que isso era verdadeiro apenas para certas pessoas “muito felizes”. Eles descobriram que as pessoas que estavam felizes porque viviam uma “boa vida” (também conhecida como “felicidade hedônica”) apresentavam altos níveis de inflamação, mas que, por outro lado, pessoas felizes porque viviam uma vida com propósito ou significado (também conhecida como “felicidade eudaimônica”) apresentavam baixos níveis de inflamação. Uma vida com significado e propósito é uma vida menos focada na satisfação própria e mais na satisfação dos outros. É uma vida rica em compaixão, altruísmo e maior significado.

Outra forma pela qual um estilo de vida compassivo poder melhorar a longevidade é servir de amortecedor contra o estresse. Um novo estudo realizado em uma grande população (mais de 800 pessoas) e liderado por Michael Poulin da Universidade de Buffalo, revelou que o estresse não era fator preditivo de mortalidade em quem ajudava os outros, mas sim naqueles que não o faziam. Uma das razões pelas quais a compaixão pode proteger contra o estresse é o fato de ser bastante prazerosa. A motivação, no entanto, parece desempenhar um papel importante como fator preditivo de um estilo de vida compassivo exercer um impacto benéfico na saúde. Sara Konrath, da Universidade de Michigan, descobriu que as pessoas que se dedicavam ao voluntariado viviam mais do que seus colegas que não eram voluntários – mas apenas se suas razões para o voluntariado fossem altruístas e não autocentradas.

Outra razão pela qual a compaixão pode promover nosso bem-estar é nos permitir ampliar nossa perspectiva para além de nós mesmos. Pesquisas mostram que a depressão e a ansiedade estão ligadas a um estado de autocentramento, uma preocupação com “eu, eu e eu”. Quando você faz algo para outra pessoa, no entanto, esse estado de autocentramento muda para um estado de foco no outro. Procure se lembrar de uma situação em que você se sentia desanimado e, de repente, um amigo ou um familiar próximo pediu ajuda urgente para resolver algum problema; talvez você se lembre de que, quando sua atenção se voltou a ajudar o outro, o seu humor melhorou. Em vez de se sentir desanimado, você possivelmente se sentiu energizado para ajudar; mesmo sem perceber, você acabou se sentido melhor e talvez tenha ganhado outra perspectiva sobre a sua própria situação.

Por fim, uma maneira adicional pela qual a compaixão pode impulsionar nosso bem-estar é aumentando a sensação de conexão com os outros. Um estudo revelador mostrou que a falta de conexão social representa um prejuízo para a saúde maior do que a obesidade, o tabagismo e a pressão arterial elevada. Por outro lado, uma forte conexão social leva a um aumento de 50% de chance de uma maior longevidade. A conexão social fortalece nosso sistema imunológico (pesquisas de Cole mostram que os genes afetados pela conexão social também codificam a função imune e a inflamação), nos ajuda a recuperar de doenças mais rapidamente e pode até prolongar nossa vida. As pessoas que se sentem mais conectadas com outras têm menores taxas de ansiedade e depressão. Além disso, os estudos mostram que elas também têm maior auto-estima, são mais empáticas, mais confiantes e cooperativas e, como consequência, outras pessoas sentem-se mais dispostas a confiar e cooperar com elas. A conexão social, portanto, gera um ciclo de feedback positivo de bem-estar social, emocional e físico. Infelizmente, o contrário também é verdadeiro para aqueles que não têm conexão social. A baixa conexão social tem sido geralmente associada a declínios na saúde física e psicológica, bem como a uma maior propensão para comportamentos antissociais, o que leva a um maior isolamento. Adotar um estilo de vida compassivo ou cultivar a compaixão pode ajudar a aumentar a conexão social e melhorar a saúde física e psicológica.

Por que a compaixão realmente tem a capacidade de mudar o mundo

Por que a vida de pessoas como Madre Teresa, Martin Luther King Jr. e Desmond Tutu são tão inspiradoras? Pesquisas de Jonathan Haidt, da Universidade da Virgínia, membro da APS, sugerem que ver alguém ajudando outra pessoa cria um estado de “exaltação”. Você já caiu no choro ao ver o comportamento amoroso e compassivo de alguém? Os dados de Haidt sugerem que a exaltação nos inspira a ajudar os outros – e pode ser a força por trás de uma reação de generosidade em cadeia. Haidt mostrou que os líderes corporativos que se envolvem em comportamentos de autossacrifício e provocam “exaltação” em seus funcionários, também exercem maior influência sobre eles – que se tornam mais comprometidos e, por sua vez, podem atuar com mais compaixão no local de trabalho. Na verdade, a compaixão é contagiosa. Os cientistas sociais James Fowler da Universidade da Califórnia, São Diego e Nicholas Christakis de Harvard demonstraram que ajudar é contagioso: atos de generosidade e bondade geram mais generosidade em uma reação do bem em cadeia. Pode ser que você tenha visto alguma notícia sobre reações em cadeia que ocorrem quando alguém paga café para um motorista que vinha atrás em um restaurante drive-through ou paga um pedágio numa rodovia. As pessoas mantêm o comportamento generoso durante horas. Nossos atos de compaixão exaltam os outros e os deixam felizes. Podemos não saber, mas, ao estimular outros, também estamos nos ajudando; as pesquisas de Fowler e Christakis mostraram que a felicidade se espalha e que, quando as pessoas que nos rodeiam estão felizes, nós também nos sentimos mais felizes.

Cultivando a Compaixão

Embora a compaixão pareça ser um instinto naturalmente evoluído, receber algum treinamento pode ajudar. Vários estudos mostraram que várias práticas de meditação da compaixão e de “bondade amorosa”, principalmente derivadas de práticas budistas tradicionais, podem ajudar a cultivar a compaixão. Cultivar a compaixão não exige anos de estudo e pode surtir efeito com bastante rapidez. Cendri Hutcherson e eu, no Instituto de Tecnologia da Califórnia, conduzimos um estudo em 2008 juntamente com James Gross de Stanford, que revelou que uma intervenção de sete minutos foi suficiente para aumentar os sentimentos de proximidade e conexão com o alvo da meditação tanto em medições explícitas, quanto implícitas, que os participantes não eram capazes de controlar voluntariamente. Isso sugere que o senso de conexão mudou em um nível profundo. Fredrickson testou uma intervenção de meditação de bondade amorosa de nove semanas e descobriu que os participantes que passaram pela intervenção experimentaram aumento de emoções positivas, redução dos sintomas depressivos e aumento da satisfação com a vida. Um grupo liderado por Sheethal Reddy em Emory com crianças adotivas mostrou que uma intervenção de compaixão aumentou a confiança dessas crianças. De maneira geral, as pesquisas sobre intervenções de compaixão mostraram melhorias no bem-estar psicológico, na compaixão e na conexão social.

Além das medições com questionários, os pesquisadores estão descobrindo que as intervenções de compaixão também influenciam o comportamento. Tania Singer e sua equipe, no Instituto Max Planck, realizaram um estudo que analisou os efeitos do treinamento de compaixão sobre o comportamento pró-social. Esses pesquisadores desenvolveram o Jogo Pró-social de Zurique, que tem a capacidade de medir o comportamento pró-social de um indivíduo várias vezes, ao contrário de muitas outras tarefas pró-sociais que apenas medem o comportamento pró-social demonstrado uma única vez. Singer descobriu que o treinamento da compaixão de um dia aumentou o comportamento pró-social no jogo. Curiosamente, o tipo de meditação parece importar menos do que o ato de meditar em si. Condon, Miller, Desbordes e DeSteno (em publicação) descobriram que treinamentos de meditação de oito semanas levaram os participantes a agir com mais compaixão em relação a uma pessoa que está sofrendo (oferecer o assento para alguém usando muletas) – independentemente do tipo de meditação (presença mental ou compaixão).

Mais pesquisas são necessárias para entender exatamente como o treinamento de compaixão melhora o bem-estar e promove o comportamento altruísta. Pesquisas de Antoine Lutz e Richard Davidson, da Universidade de Wisconsin-Madison, membro da APS | Cadeira de William James, descobriram que, durante a meditação, os participantes exibiram um processamento emocional aprimorado em regiões cerebrais ligadas à empatia em resposta a gritos evocadores de emoção. Um estudo liderado por Gaëlle Desbordes no Hospital Geral de Massachusetts indicou que tanto a compaixão quanto o treinamento de meditação de presença mental diminuíram a atividade na amígdala em resposta a imagens emocionais; isso sugere que a meditação, de maneira geral, pode ajudar a melhorar a regulação emocional. No entanto, a meditação de compaixão não reduziu a atividade em resposta a imagens de sofrimento humano, sugerindo que a meditação da compaixão aumentou a capacidade de resposta a uma pessoa em sofrimento.

Em colaboração com Thupten Jinpa, tradutor pessoal do Dalai Lama, bem como vários psicólogos de Stanford, a CCARE desenvolveu um programa de treinamento de compaixão secular conhecido como Programa de Treinamento do Cultivo da Compaixão (CCT). A pesquisa preliminar liderada por Philippe Goldin, de Stanford, sugeriu efeitos positivos na redução de doenças como a ansiedade social e elevação de diferentes medidas de compaixão. Além de ter ensinado centenas de membros da comunidade e estudantes de Stanford que expressaram interesse, também desenvolvemos um programa de treinamento de professores atualmente em andamento.

Dada a importância da compaixão no mundo de hoje, e um crescente número de evidências sobre os benefícios da compaixão na saúde e no bem-estar, esse campo certamente gerará mais interesse e esperamos que possa impactar nossa comunidade mais amplamente. O CCARE sustenta a visão de um mundo no qual, graças a rigorosos estudos de pesquisa sobre os benefícios da compaixão, a prática da compaixão seja tão importante para a saúde como o exercício físico e uma dieta saudável. As técnicas empiricamente validadas para cultivar a compaixão são amplamente acessíveis; e a prática da compaixão é ensinada e aplicada em escolas, hospitais, prisões, militares e outras instituições comunitárias.

Para mais informações, visite o site de Emma Seppala: www.emmasepalla.com.

Tradução livre de Jeanne Pilli do original:
https://www.psychologicalscience.org/observer/the-compassionate-mind#.WgrXH14nxjw.facebook

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