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Por Peter Bonanno | 25 de outubro de 2017
“A felicidade só pode ser descoberta como um presente de harmonia entre o todo e cada componente. Até mesmo a ciência – e vocês a conhecem melhor do que eu – aponta para uma compreensão da realidade como um lugar onde cada elemento se conecta e interage com todo o resto “.
~ Papa Francisco
Neste momento da história, poderíamos tomar um momento para revisitar nossa visão para a humanidade. Para onde estamos indo? Qual é o nosso objetivo em todas essas atividades políticas e econômicas nas quais estamos gastando tanto esforço e emoção?
Nos Estados Unidos, onde moro, o tribalismo e o pensamento do nós-versus-outros estão crescendo. Muitos dos meus amigos se entregaram à frustração, abandonando a esperança de conversar com amigos e familiares que têm pontos de vista diferentes. Uma visão compartilhada para resolver problemas sociais, econômicos e ambientais parece cada vez mais fora de alcance. Os índices de confiança em outras pessoas nunca estiveram tão baixos na história.[1]
Einstein disse: “não conseguiremos resolver problemas utilizando o mesmo tipo de pensamento que utilizamos quando os criamos”. Que tipo de pensamento e liderança – de todos nós – poderá nos ajudar a nos reconectarmos uns aos outros e construirmos um futuro comum?
Uma sabedoria promissora para tratar dessas questões humanas raiz vem, de maneira bastante apropriada, da raiz da vida humana na África: o “Ubuntu”, como é conhecido na África do Sul, ou o “Botho”, como é chamado localmente no Botswana.
Se o fundamento do pensamento europeu é “penso, logo, existo” de Descartes, o fundamento do Ubuntu/Botho poderia ser traduzido como “eu existo porque você existe”, ou “uma pessoa é uma pessoa por meio dos outros”. A palavra mais próxima em inglês seria “interdependence” (interdependência em português).
Ubuntu / Botho é a visão de que tudo o que experienciamos é uma relação – com outra pessoa, com o mundo natural, com as sensações fisiológicas em nossos corpos. Todo momento é uma espécie de encontro entre um “eu” e um “você”. Se removêssemos todo tipo de encontro, nossas vidas seriam vazias, um vácuo semelhante ao espaço. Seria como se não existíssemos. Ter uma vida satisfatória é sentir-se satisfeito a respeito de como nos relacionamos com as coisas da vida. Ter uma visão de futuro é imaginar como nos relacionaremos com pessoas, lugares e coisas.
É por isso que em liderança, como disse Desmond Tutu, dizer que alguém tem Ubuntu / Botho é o maior elogio. Isso significa que eles têm uma grande mente e um grande coração que não estão fechados para ninguém nem para nada e, portanto, são capazes de lidar com qualquer situação ou com qualquer pessoa da maneira que se apresentarem.
Num tempo em que a sociedade humana se sente desconfortável e está em transformação, essa sabedoria merece um olhar cuidadoso
Encontrando toda a vida: felicidade e tristeza saudáveis
Uma revisão de 2014 da extensa pesquisa sobre a felicidade encontrou um tema surpreendente: as experiências de vida que criam felicidade duradoura são aquelas que expandem a sensação de “eu” como parte integrante de um todo maior. Alguns fatores citados são: a “reverência” – que nos conecta com a grandeza do mundo que nos rodeia -, a “gratidão” – que nos permite apreciar nossos relacionamentos – e o “perdão” – que nos traz de volta ao relacionamento com alguém de quem havíamos nos afastado -, e a “vida espiritual” – que nos conecta a valores e propósitos. O fator preditivo mais consistente da felicidade vitalícia continua a ser “relações sociais saudáveis”[2].
E quanto a enfrentar dificuldades e conflitos? Neste ponto, ver-se como parte do todo também pode nos ajudar a encontrar paz e direção. Como afirmou o pacificador e médico Mandaza Kandemwa, “quando pudermos ser um oceano que não rejeita nenhum rio, então encontraremos a paz”.
Ser “um oceano que não rejeita nenhum rio” amplia a sensação de quem eu sou. Se eu me fechar para o contato com determinadas pessoas ou sentimentos, minha vida fica muito menor. Se eu for capaz de encontrar e lidar com uma nova emoção ou com uma nova pessoa, terei aberto a porta para um mundo muito maior para interagir.
Considere a experiência de ver outros sofrendo de uma dor emocional ou física. Normalmente, ver outros com dor ativa o sistema de “empatia à dor” do nosso próprio cérebro e recria uma imagem espelhada dessa dor em nossos próprios corpos.[3] Quando não estamos prontos para sentir essa tristeza (e muitas vezes não estamos), nós nos afastamos e evitamos, suprimimos ou negamos o sentimento.
No entanto, se permitimos que esse sentimento seja experienciado, se não o rejeitarmos mentalmente e nem ficarmos aprisionados a ele, algo mágico acontece: a dor se manifesta e dá origem a uma preocupação afetuosa ou à “compaixão” por essa pessoa. Sentimos vontade de ajudar. O sentimento de compaixão é expressado em diferentes ativações neurais, agora não de dor, mas de regiões cerebrais associadas ao afeto interpessoal e ao comportamento pro-social[4]. Nós ainda nos sentimos tristes, mas capacitados para ajudar, em vez de sobrecarregados e temerosos. A compaixão tem sido chamada de “tristeza saudável”.
Talvez a demonstração mais dramática da sabedoria Ubuntu / Botho foi a Comissão de Verdade e Reconciliação (TRC) da África do Sul, um dos mais audaciosos esforços pela paz nos últimos tempos.
O regime jurídico nacional – o apartheid – segregou as pessoas segundo a raça de 1948 a 1991. Quando o apartheid terminou, o país precisava curar-se: como o novo governo pós-apartheid poderia restaurar a harmonia social entre grupos raciais injustamente divididos? Como deveria tratar os funcionários que apoiaram o assédio sistemático, que despacharam esquadrões para assassinar as famílias dos manifestantes?
Em vez de aplicar punição, a CVR enfatizou a cura social refazendo os relacionamentos, fazendo com que as pessoas realmente vissem umas às outras e ouvissem as histórias umas das outras.
Vítimas e perpetradores encontraram-se novamente, desta vez para compartilhar a verdade completa sobre o que haviam feito ou sobre a dor que sentiram. À medida que os perpetradores enfrentavam as famílias das pessoas que haviam assassinado, a dor testemunhada transformava-se em compaixão: muitos perpetradores revelaram a verdade completamente e pediram desculpas, reconhecendo o quão desumano o regime do apartheid havia sido. As famílias sentiram-se ouvidas pelos perpetradores e puderam então voltar a tocar a vida. Durante toda essa transformação, a nação inteira assistia e aprendia.
No Diálogo do Mind & Life, tivemos a oportunidade de ouvir a experiência direta de um psicólogo que havia trabalhado na CVR, Pumla Gobodo-Madikizela. As histórias sobre o que aconteceu são difíceis de acreditar – alguns perpetradores transformaram-se em defensores dos direitos das vítimas e familiares de vítimas tornaram-se amigos dos antigos responsáveis pelo apartheid. A CVR demonstrou a possibilidade de um modo de vida Ubuntu / Botho: quando abrimos espaço para nos vermos uns aos outros, acolhemos a experiência do outro e nos tornamos “um oceano que não rejeita nenhum rio”, conseguimos ver a humanidade do outro e encontramos uma maneira de avançar juntos.
Seguindo adiante
A abordagem das mudanças oferecidas pelo Ubuntu / Botho é mais profunda do que “eu ajudo você”.
Um participante da conferência compartilhou a seguinte citação de uma mulher aborígene australiana: “Se está vindo para me ajudar, você está desperdiçando seu tempo. Mas se você estiver vindo porque a sua libertação está ligada à minha, então trabalharemos juntos “.
Essa é uma maneira diferente de pensar que, como disse Einstein, pode nos levar a novos tipos de soluções.
Isso nos lembra que encontraremos uma felicidade mais duradoura, expandindo o senso de quem somos por meio gratidão, da admiração e de relacionamentos saudáveis. Isso nos faz lembrar de buscar a harmonia social primeiramente nos vendo uns aos outros.
E isso muda a forma como vemos os problemas no mundo: se sentimos dor ao testemunhar algo ou alguém, é um sinal de que, de fato, há dor em algum ponto no relacionamento (em mim, em você, entre nós) que requer atenção. E se sentimos solidão, é um sinal de que nossas vidas e mentes tornaram-se muito pequenas e isoladas, e que ansiamos voltar à experiência de amplidão. Se acolhermos esses sinais e relacionamentos emocionais, eles deixam de ser problemas que nos atormentam e passam a ser informações úteis sobre onde e como podemos criar a harmonia juntos.
Esses sinais sempre estiveram ali, embora às vezes mal interpretados ou ignorados. O Ubuntu / Botho nos lembra que já somos um oceano que depende de todos os rios. Às vezes, nos esquecemos e nos apegamos a um sentido mais estreito de eu – mas o que seria mais libertador do que viver como o oceano, acolhendo e cuidando uns dos outros?
Tradução livre de Jeanne Pilli do original:
https://www.mindandlife.org/ubuntubotho-leadership-ocean-rejects-no-river/
[1] Ortiz-Ospina & Max Roser, 2016
[2] Lyubomirsky 2014, Haidt 2006
[3] Decetey & Lamm 2006
[4] Singer 2016
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