April 18, 2023 9:14 pm Back to Home
Quando ouvi pela primeira vez sobre o recente encontro do Dalai Lama com um menino, meu coração caiu. Em princípio, não consegui assistir ao vídeo. Eu pensei sobre o que o menino deve ter passado e sabia que isso seria devastador para a já vulnerável comunidade tibetana.
Eu sou um candidato a doutorado em estudos budistas e estudos de masculinidade na Universidade Northwestern, além de praticante budista. Eu falo tibetano e vivi, pesquisei e pratiquei em Dharamsala, onde Sua Santidade o Dalai Lama vive. Durante a minha vida, eu valorizei profundamente o impacto do trabalho do Dalai Lama pela paz, não-violência, tolerância religiosa e justiça ambiental.
A ideia de que o Dalai Lama prejudicou uma criança conflitua com tudo o que eu sabia sobre ele, mas eu também sabia que o incidente exigia uma análise séria. Desde que a notícia se espalhou, tenho refletido sobre o que aconteceu e decidi que é importante analisar suas nuances de uma forma cautelosa para um público ocidental.
Antes de fazê-lo, quero reconhecer que as ações do Dalai Lama no vídeo foram, sim, estranhas e profundamente desconfortáveis de se assistir. Ele deixou a criança inquieta e a significativa diferença de poder entre os dois tornou esse episódio especialmente perturbador. Simplesmente ouvir que “o Dalai Lama pediu a um menino para ‘chupar sua língua'” foi o suficiente para me deixar com o estômago revirado.
No entanto, depois de assistir ao vídeo com meus próprios olhos — a versão completa de 1:59, não a editada que foi amplamente divulgada — eu também acredito que o que aconteceu resiste a categorizações fáceis e comparações com casos de má conduta sexual entre líderes religiosos ocidentais, que certamente surgiram na mente de muitos leitores.
Ao interpretar o que aconteceu, precisamos adotar uma abordagem mais lenta que incorpore vozes tibetanas, evite reduzir o que aconteceu a um roteiro familiar sem pensar no contexto de quem é o Dalai Lama, e que também valorize as histórias de sobreviventes de abuso sexual em contextos religiosos de forma mais ampla.
A mídia ocidental frequentemente ignora as visões e interpretações dos próprios tibetanos sobre sua comunidade. Esta história não foi exceção. A cobertura seguiu um formato previsível, com a maioria das notícias descrevendo o incidente em termos breves e sensacionalistas e, logo em seguida, ampliando vozes de indignação moral sem contexto.
Algumas outras reportagens ofereceram pequenas explicações sobre o contexto cultural tibetano, mas muitas vezes isso teve o efeito de reforçar a presunção neo-orientalista de que os tibetanos não possuem pensamento crítico e são religiosos acríticos, implicando que o Ocidente “secular” é intelectualmente e moralmente superior.
Obviamente, esse não é o caso. O abuso sexual é um problema profundamente humano, ligado à masculinidade hegemônica e à perversa manipulação de assimetrias de poder. Isso acontece em todos os lugares. Recentemente, tanto homens tibetanos que são sobreviventes de abuso sexual em ambientes monásticos quanto mulheres budistas tibetanas têm corajosamente contado suas histórias de sobrevivência.
No Ocidente, somos bombardeados com escândalos de abuso sexual de padres e pastores em contextos cristãos, o que cria abertura para uma comparação fácil demais neste caso. Um dos muitos problemas com uma comparação tão direta, no entanto, é que este foi um evento singular em um ambiente público, o que é atípico em casos de predadores sexuais de crianças.
Inúmeros estudos têm mostrado que abuso infantil ocorre predominantemente ao longo de um período de tempo mais longo, muitas vezes no contexto de um relacionamento. Predadores geralmente constroem confiança e então levam as crianças para ambientes privados para cometer abuso, o que não foi o que aconteceu neste caso.
Um dos meus amigos tibetanos observou que desejos vergonhosos raramente, se é que alguma vez, são realizados em um ambiente televisivo transmitido para incontáveis espectadores; tendemos a esconder nossos desejos prurientes atrás de portas fechadas. Vale destacar que o Dalai Lama sempre demonstrou uma personalidade brincalhona ao longo de sua vida. No vídeo, ele está rindo e sorrindo, não demonstrando nenhum constrangimento ou vergonha.
Eu não tenho intenção de apagar ou ignorar o que aconteceu no vídeo, ou sugerir que pessoas idosas não são capazes de abuso. Mas eu acredito que o contexto revela pistas sobre a intenção do Dalai Lama: na minha opinião, este não foi o caso de um homem agindo com um desejo perverso, mas um falante não-nativo de inglês que, tentando ser descontraído, cometeu um erro de julgamento que ultrapassou vastos horizontes culturais.
Dito isso, como gerações de estudiosos de gênero apontam, a longa história de homens idosos abusando de seu poder necessariamente suscita suspeitas sobre certos padrões de comportamento. Um único evento pode sinalizar um ambiente mais abrangente de abuso a portas fechadas, e eu reconheço isso completamente. A atenção vigilante é necessária para proteger as crianças do abuso.
Mas para mim, este vídeo não é evidência de um abusador de crianças movido por um desejo torpe. Fiel ao seu caráter brincalhão de longa data, Dalai Lama estava sendo jocoso, seguindo um roteiro cultural tibetano entre avós e netos que começa com um abraço, passa para um beijo e termina com um agarre de língua [tongue grab]. Ele claramente sabe que cometeu um erro de discernimento e emitiu um pedido de desculpas. Não devemos pular da exibição de um evento estranho, inapropriado ou questionável para a imputação de um caráter inteiramente problemático.
Também quero destacar a importância do contexto na interpretação do Dalai Lama e suas ações. Inúmeros tibetanos e outros budistas o consideram um Buda vivo, que diligentemente se esforçou ao longo de muitas vidas para purificar sua mente de todos os desejos sensuais (‘dod chags) e alcançar equanimidade sem limites. Para as pessoas que o entendem dessa maneira, é impensável imaginá-lo agindo por um desejo covarde.
Quando outras pessoas veem este vídeo, no entanto, elas testemunham um idoso líder religioso violando os limites de um menino inocente. Não posso apelar para o discurso budista ou a história tibetana para falar com esse público, mas posso apontar duas coisas. Em primeiro lugar, os comentários do menino e de sua mãe depois do evento foram alegres.
Segundo, sugiro examinar o momento estranho dessa divulgação — dois meses depois do incidente e não por parte da família ou amigos do menino. O Dalai Lama é uma figura política altamente carregada, sujeita a décadas de ataques e difamação pelo governo chinês. Vale a pena questionar quem pode ter interesse em difamá-lo — e editar estrategicamente o vídeo.
Como estudioso da masculinidade e da religião, dedico-me a descobrir como o poder masculino se envolve com as aspirações religiosas sinceras dos praticantes, cultivando ambientes nos quais os homens erotizam e abusam desse poder de maneiras perversas e repugnantes.
Embora o incidente recente tenha sido perturbador, não chega a esse nível. Em vez de saltar para a conclusão de que o Dalai Lama é um abusador, poderíamos aproveitar esta oportunidade para ouvir as muitas vozes de mulheres que se apresentam para falar sobre o problema generalizado de abuso sexual por parte de professores budistas Vajrayana — incluindo aqui nos EUA — vozes que são rotineiramente ignoradas.
Concluo esta reflexão com um apelo à paciência. Meu pedido é para olharmos para o Dalai Lama não apenas na moldura estreita de um erro, mas na moldura mais ampla de suas inúmeras contribuições para o mundo, com a consciência de como o contexto filtra nossa compreensão dos eventos.
* * *
Joshua Brallier Shelton é um candidato ao doutorado no Departamento de Estudos Religiosos da Universidade Northwestern.
Traduzido por Luciano Ribeiro do artigo original: https://tricycle.org/article/dalai-lama-actions/?utm_source=IG
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