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De hippie de Berkeley a médico pessoal do Dalai Lama  –  Viagem de Barry Kerzin

October 1, 2019 6:30 pm    Back to Home

South China Morning Post (revista de domingo) | Quinta-feira, 12 de maio de 2016

O médico americano e monge budista, professor visitante na Universidade de Hong Kong, conta sua história à Kate Whitehead desde a perda de sua esposa, como encontrou a fé e acabou se tornando o médico pessoal ao Dalai Lama.

Dr Barry KerzinÀs portas da morte. Cresci no sul da Califórnia. No verão, os dias eram muito longos e, depois do jantar, costumávamos sair, um bando de garotos na vizinhança e praticar esportes na rua. Tenho um irmão e uma irmã mais nova. Meu pai era um professor em uma escola de ensino fundamental e minha mãe trabalhava em um hospital psiquiátrico e se tornou terapeuta leiga. Era uma mulher muito boa, inteligente e surpreendente. Fui um garoto ativo, sempre brincando. Um dia cheguei em casa com uma forte dor de cabeça. Fui ao hospital e descobriram que tinha um abcesso cerebral. Entrei em coma e quase morri. Fiquei hospitalizado muitos meses. Parte do osso da área frontal da minha cabeça apodreceu e acabou sendo removido. Como consequência, durante alguns anos, eu tive que usar um capacete enquanto esperava o osso voltar a crescer. Quando eu tinha 13 anos, o neurocirurgião decidiu colocar uma placa de plástico. Fiquei encantado com esse médico cirurgião e comecei a querer ser como ele.

Dupla finalidade .  Sempre tive interesse em duas áreas – filosofia e medicina. Quando  era muito jovem,  perguntas  como “Quem sou eu? O que eu estou fazendo aqui? “me atormentavam o tempo todo. Comecei a participar de um clube de filosofia quando tinha uns 14 anos e, aos 15 anos, li dois livros sobre o Zen-Budismo escritos, respectivamente, por D. T. Suzuki e por Alan Watts, que me fascinaram. Acabei me graduando em filosofia pela Universidade de Berkeley. Mas não tinha certeza se gostaria de exercer a filosofia acadêmica. Sempre fui um rebelde, um hippie e tinha cabelo comprido e barba. Então, quando eu decidi começar a faculdade de medicina, sabia que não ia ser fácil.

Encontro feito no céu. Conheci Judy, a mulher que se tornaria minha esposa, quando ainda éramos crianças. Uma vez por ano, nossas famílias se juntavam para comemorar um feriado. Nos divertiamos muito juntos mas nunca passou disso. Quando eu ainda era estudante de filosofia, minha mãe me disse que ela estava em Berkeley e era muito ativa e participava do movimento contra a guerra. Acho que minha mãe estava tentando nos aproximar uma vez que gostava muito dela e da família. Em nosso primeiro encontro fomos ao cinema para assistir ao filme Os Dez Dias que Abalaram o Mundo. Chegando ao cinema descobrimos que o filme não estava mais em cartaz  e  acabamos assistindo A Megera Domada de Shakespeare. O clima em Berkeley era legal e explosivo, o movimento contra a guerra estava acontecendo e nós costumávamos ir algumas vezes para Santa Cruz no fim de semana só para conseguir um pouco de sossego. Acabamos nos casando três dias antes que eu começasse a faculdade de medicina. Tivemos uma lua de mel de três dias – foi simplesmente divino, e nada podia ser mais duradouro – e, em seguida, Judy estava na faculdade de direito. Durante um período de quase três anos nos víamos muito pouco porque estávamos muito ocupados. Foram três anos de faculdade de direito, e quatro na faculdade de medicina.

Perdendo a mim mesmo.  Comecei a trabalhar como médico na Califórnia e, alguns meses mais tarde, Judy foi diagnosticada com câncer de ovário. Os médicos me disseram que não deveria tratar alguém da própria família, o que foi uma decisão acertada. Na verdade, não fui médico dela: fui seu enfermeiro, dando injeções e medicamentos para que pudéssemos passar mais tempo juntos e em casa. Tivemos incrivelmente perto naquele tempo; às vezes parecia que eramos literalmente uma só pessoa. Sabíamos que não tínhamos muito tempo pois o câncer se espalhou pelo abdômen,  tórax, coração. Ela não conseguia respirar, não conseguia falar, mas estava lúcida e escreveu muitas notas e mensagens para várias pessoas. E, então, entrou em coma e faleceu. Minha vida se desfez. Tinhamos sido casados por 11 anos depois de 14 anos juntos. Após sua morte, passava os dias com amigos e me ocupava um pouco. Os momentos mais difíceis eram quando estava sozinho, em casa ou deitado. Nesse período de luto, e por uns dois ou três anos, fui muito irresponsável. Quase morri de caiaque na Floresta Nacional de Quinault. Pratiquei mergulho, escalada de montanha de forma quase suicida..

 Dr. Barry Kerzin com o Dalai Lama antes de se tornar um monge (em 1987)A Ásia Chamando  Em 1984, seis meses depois da morte de Judy, viajei por oito meses pela Índia, Sri Lanka e Nepal. Estava tentando encontrar um sentido para a minha vida. Voltei aos Estados Unidos e, por aproximadamente um ano, tentei continuar meu trabalho como médico, mas foi difícil me adaptar aos mesmos lugares e situações sociais anteriores. Consegui um trabalho da Universidade de Washington, como professor em medicina de família. Estava praticando Budismo e queria ir mais fundo. Em 1989, tirei uma licença de seis meses e fui para a Índia com um dos meus professores, um yogi. Acabei trabalhando no Instituto de medicina tibetana, em Dharamsala, onde treinam médicos, tem uma farmácia e fazem os medicamentos à base de plantas e também uma clínica onde atendem pacientes.

Pecados e agulhas Um ano depois mudei para a Índia e me tornei médico do Dalai Lama. Ele estava planejando ir a uma conferência ambiental no Rio de Janeiro e foi alertado sobre uma epidemia de cólera. O Dalai Lama me chamou e perguntou se deveria ir. Disse que se fosse cuidadoso com a comida, com a água e  tomasse a vacina poderia ir pois era um evento importante. Vacinar Sua Santidade Dalai Lama me deixou muito nervoso, afinal estava enfiando uma agulha no braço de um Buda Vivo. Depois disso, ele me levou para uma sala próxima onde estava fazendo um retiro. Nesse aposento havia uma mesa com uma mandala. Ele me pegou pela mão e caminhou lentamente ao redor da mesa. Havia várias prateleiras de vidro e apontou para algumas das pequenas estátuas que vieram do Tibete e com mais de 1.000 ou mais anos de idade. Foi explicando a história de cada uma conforme andavamos lentamente ao redor da mandala. Então, tirou duas pedras semipreciosas da mandala e me deu – um cristal pequeno e uma pedra turquesa, que uso no pescoço o tempo todo.

Dr. Barry Kerzin com o Dalai LamaSem ordenação ordinária  Alguns anos mais tarde, fiz um retiro no sul da França. Raspamos a cabeça – homens e mulheres – e passamos a usar roupas de monge/monja e tomamos alguns votos básicos votos. Quando voltei à Dharamsala, disse ao Dalai Lama que desejava me ordenar e ele me indicou algumas práticas. Um ano mais tarde, voltei e apresentei um relato de tudo que havia feito.  Ele deu uma grande risada e disse, “Sim, nós vamos ordenar você.” Normalmente, ele ordena um grupo grande, 100 pessoas ou mais, mas no meu caso fui só eu. Recebi os votos de noviço e me foi oferecido café da manhã. Normalmente você espera alguns anos antes de você obter os votos completos, mas como eu estava indo embora, o mestre de ritual me deu os votos de monge completamente ordenado. Isso levou algumas horas.  Formou-se um grupo com cerca de doze monges seniores e o Dalai Lama assumiu o papel principal. Participaram também outros monges que haviam sido meus professores. Há um momento na cerimônia de ordenação onde todos colocam suas mãos sobre a dos outros e estávamos tão perto que eu conseguia sentir cheiro do tsampa no hálito de sua santidade.

Atender a sua paciência em Dharamsala, ÍndiaConhecimento é poder.  O Dalai Lama tem uma pequena equipe formada por médicos ocidentais e de medicina tibetana. Quando você está perto de Sua Santidade, há muita felicidade e uma alegria serena. As práticas e as meditações são melhores. Há uma profunda sensação de bem-estar. Ele é muito calmo, muito ativo, muito alerta. Às vezes parece que ser rigoroso mais é todo amor e compaixão por dentro. Ele tem um incrível senso de humor, adora contar piadas e ri de balançar a barriga. O Instituto Mente e Vida que ele fundou é uma iniciativa que, ao longo dos últimos trinta anos, tem reunido  grandes cientistas no campo da cosmologia, física quântica, neurociência e psicologia, mantendo um diálogo enriquecedor. Algumas vezes os cientistas ficam boquiabertos: “Como você já sabia isso?”. O Dalai Lama age como um jogador de xadrez que conhece sete jogadas à frente.

Compartilhando a mesma morada. Tenho um quarto no complexo de Dharamsala. Trata-se de um antigo conjunto de edifícios construídos provavelmente na década de 1960 pelo governo indiano. Um grupo de pessoas vive lá e há também escritórios. Fui, durante muitos anos, professor no Instituto Mente e Vida. Ultimamente sou membro senior. Não recebo salário e atuo como consultor e conselheiro. Há vinte e sete anos trabalho como médico voluntário sem remuneração. Por muitos anos, viver na Índia foi muito barato. Leciono no Japão, Hong Kong, EUA e Rússia e Mongólia – 95 por cento dos lugares onde dou aulas, pagam minhas despesas, um vôo de classe econômica, hotel simples e comida. Ensino medicina, meditação, auto-confiança e compaixão.

Barry Kerzin é professor visitante na Universidade de Hong Kong

 

 

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