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Por uma Educação com mais Compaixão e Equidade

May 24, 2018 7:30 am    Back to Home

 

Blog Mind & Life Institute | por brooke d. Lavelle | 2 de Novembro de 2016

O que Equidade tem a ver com isso?

Recentemente, fiz uma apresentação em um workshop para educadores interessados na ciência do aprendizado social e emocional – SEL, na sigla em inglês – e na educação pró-social. Depois de conduzir um encontro que dura metade de um dia sobre como cultivar compaixão, na qual também destaco os obstáculos mais comuns dessa prática – como estereótipos, parcialidade, preconceito e racismo –, pedi ao grupo, de uma forma meio retórica, que refletissem sobre o que esse material tinha a ver com equidade na educação.  Os participantes, em sua maioria brancos de classe média alta, ficaram mudos. Alguns pareciam confusos; outros, relutavam ou hesitavam em falar. Outros pareciam um pouco irritados, talvez comigo ou talvez com o tema em si.

Confesso que fiquei um tanto surpresa. Esse grupo de educadores – muitos dos quais atravessaram o país para participar desse workshop – tinha ou não tinha se inscrito nesse programa porque queria aprender como melhor fomentar comunidades mais atenciosas, mais bem-sucedidas e com escola e estudantes mais interconectados? Por que era difícil para esse grupo enxergar ou falar sobre a conexão entre compaixão – ou a falta dela – e equidade?

kidsPedi aos participantes que analisassem a pergunta em grupos menores. Enquanto andava pela sala, ouvi uma professora dizer que não conseguia se identificar com a pergunta, pois não havia diversidade na escola dela e que, portanto, não precisava lidar com “esse assunto”. Uma outra professora estava contando sobre o programa SEL que a escola dela tinha desenvolvido para ajudar estudantes desfavorecidos a aprender a como “lidar com os sentimentos”. Outros falavam sobre as maneiras pelas quais o corpo docente de suas escolas estava ajudando “essas crianças” a melhorarem o rendimento por meio de uma variedade de iniciativas relacionadas à SEL. Só um punhado de professores – de um grupo de quase cem pessoas – foi capaz de expressar a relação que há entre o racismo estrutural e uma educação equitativa.

Muitos educadores interessados em SEL e no crescente movimento de mindfulness (atenção plena) na educação estão comprometidos com o sucesso dos nossos alunos. Porém, muitos estudantes não têm acesso a alguns dos recursos mais básicos para uma educação de qualidade, incluindo pré-escola gratuita, ambientes de aprendizado seguros e escolas bem equipadas. Um estudo, por exemplo, feito pelo Departamento de Educação, nos Estados Unidos, descobriu que quase metade das escolas mais desfavorecidas recebiam menos recursos financeiros do que outras escolas da mesma região. Estudantes que pertencem a minorias também estão sujeitos a taxas desproporcionais de suspensões e expulsões. Além disso, as crianças com os mais baixos níveis socioeconômicos (NSE) têm mais probabilidade de serem expostas à violência, a experiências traumáticas e a fatores tóxicos de estresse que impactam negativamente na saúde física e mental delas.

As desigualdades estruturais estão se tornando uma praga em nosso sistema educacional. E muitos de nós não estão vendo isso, ou, no mínimo, não sabem o que fazer quanto a isso.

O campo da educação pró-social

Muitos dos nossos estudantes estão ficando estressados. As taxas de depressão e de ansiedade estão em ascensão. Epidemias de suicídio estão assolando escolas de regiões privilegiadas.  O bullying e outras formas de agressão estão crescendo.

Ao longo das últimas muitas décadas, educadores têm se mobilizado para enfrentar várias dessas questões, uma vez que um número crescente de dados indica que melhorar aspectos sociais, emocionais, culturais e éticos nas escolas significa melhorar o bem-estar dos estudantes. Educadores, reconhecendo que as relações – e não o rendimento acadêmico – são os melhores indicativos de saúde e bem-estar, têm reivindicado abordagens que fomentem um clima escolar positivo e interconectado.

Essas reinvindicações suscitaram uma variedade de iniciativas educacionais pró-sociais, incluindo educação de caráter, desenvolvimento moral, aprendizado com a prestação de serviços, SEL, educação cívica, aprendizagem cooperativa e desenvolvimento positivo da juventude. Programas baseados em mindfulness também têm se tornando cada vez mais populares no contexto da educação. Pesquisas realizadas por vários estudos diferentes indicam que esses programas educacionais pró-sociais têm gerado um impacto positivo.

Embora uma série de programas pró-sociais tenham focado a abordagem em termos de melhorar o bem-estar, reduzir o estresse e aprimorar o rendimento acadêmico, estão implícitas, em muitos desses programas, uma visão para uma educação mais holística e também uma crítica da instrumentalização do ensino e da aprendizagem.  Porém, como essa visão e essas críticas sobre este modelo atual voltado para propósitos econômicos não são manifestadas de forma explícita, os críticos temem que esses programas pró-sociais estejam sendo instrumentalizados por esse mesmo modelo de educação que se busca combater.

Pior ainda, alguns críticos temem que programas de SEL e de mindfulness-na-educação podem, na verdade, reforçar a desigualdade. Como um estudioso observou, ao mesmo tempo em que esses programas se concentram em escolas voltadas para parcelas da população que são tradicionalmente desfavorecidas, o conteúdo destes programas se concentra em como lidar com a raiva ou no desenvolvimento de autocontrole, em vez de abordagens pedagógicas mais críticas que poderiam empoderar os estudantes para questionar e enfrentar o racismo sistêmico e a desigualdade estrutural.

 O que a Compaixão tem a ver com isso?

Nós temos uma profunda capacidade inata para cuidar e ter compaixão – uma capacidade não apenas para tolerar os outros, mas para vê-los substancialmente, aceitá-los profundamente e amá-los incondicionalmente.

Essa habilidade para cuidar é desenvolvida tanto em um contexto de cuidado nas relações como também por meio de treinamentos específicos. Embora, em geral, consideremos mais fácil cuidar daqueles que são próximos da gente, tendemos a achar mais difícil estender esse cuidado àqueles que estão mais distantes, ou, mais difícil ainda, àqueles que nos fizeram algum mal.

Um dos obstáculos mais traiçoeiros e disseminados para conseguirmos estender esse cuidado envolve o que chamamos de “impressões limitadas” – ou seja, as maneiras pelas quais frequentemente nos relacionamos com outros e, de forma equivocada, os reduzimos a nada mais do que a ideia ou o estereótipo que temos deles. Essas “impressões limitadas” têm um impacto no mundo real que já é bem documentado na literatura sócio psicológica. Sabemos, por exemplo, que a percepção dos professores acerca do potencial de seus estudantes pode impactar no rendimento deles. 

A arte de se tornar mais atencioso e mais compassivo envolve treinar uma variedade de habilidades, incluindo atenção, mindfulness, afetividade, amor, empatia, insight e coragem. Compaixão não é um sentimento ou uma emoção. Como Paul Gilbert explica, trata-se de uma postura que é motivada ou uma maneira de ser e de agir perante o mundo que é orientada pela ética.

A compaixão requer que a gente aprenda a ficar com o sofrimento e também que a gente desenvolva a sabedoria e a coragem de responder ao sofrimento de forma efetiva. Responder de forma efetiva requer que tenhamos maior clareza sobre os contextos e as condições – tanto psicológicas quanto sociais – que contribuem para o sofrimento ou o intensificam. Também requer que aprofundemos nossa capacidade de responder às injustiças impetradas contra qualquer ser, e não apenas contra nosso grupo mais próximo.

selO treinamento continuado da compaixão tem o potencial para fazer avançar o nosso trabalho coletivo na direção de uma educação mais holística e equitativa. Em 2012, o Instituto Mind & Life lançou sua Iniciativa para Ética, Educação e Desenvolvimento Humano (EEHD, na sigla em inglês), em um esforço para se juntar ao crescente movimento de educadores, cientistas e pensadores engajados com o avanço do campo da educação “pró-social”. O Mind & Life recrutou um time interdisciplinar de educadores, pensadores e psicólogos do desenvolvimento para pesquisar e avaliar a situação desse campo do SEL e da educação contemplativa, e para desenvolver um marco educacional que pudesse dar um suporte aos educadores no cultivo e na manutenção de relações mais cuidadosas e compassivas. Esse marco intitulado “A Call to Care” (Um chamado para cuidar), incluiu um currículo abrangente, do ensino médio ao fundamental, e de toda a parte pedagógica para estudantes e professores que integram o SEL, com treinamentos de habilidades de cuidado desenvolvimental sensível e de habilidades com base na compaixão, além de práticas contemplativas. O time da Mind & Life ofereceu os treinamentos “Call to Care” ao longo de junho de 2016. Hoje, os treinamentos têm sido conduzidos pela “Coalização Coragem para Cuidar” (Courage of Care Coalition).

O princípio básico do “Call for Care” está alinhado com a ética do cuidado de Nel Noddings: uma pessoa que cuida é uma pessoa que recebeu cuidados. Essa abordagem – que foi amplamente inspirada pelo “Sustainable Compassion Training” (Treinamento em Compaixão Sustentável) – destaca a dimensão relacional do cuidado, ajudando educadores e estudantes a reconhecer que é preciso aprender a receber cuidado – a ser incondicionalmente querido – para que sejamos empoderados a estender esse mesmo cuidado a outros. Portanto, fortalecer a compaixão requer que reconheçamos nossa profunda interdependência.

Compaixão e Equidade: Integrando ferramentas para uma transformação pessoal e social

Embora o treinamento da compaixão seja promissor, nós ainda temos um longo caminho a percorrer. Como disse uma vez minha colega Diane Friedlander, do Centro de Stanford para Políticas de Oportunidades em Educação (Center for Opportunity Policy in Education – SCOPE): “Não estamos sendo compassivos se não estamos sendo equitativos”.  Conhecer mais a fundo as causas e condições do sofrimento é essencial; também é crucial aprofundar nossa consciência e nossa habilidade de responder quando percebemos injustiças sociais. Um desenvolvimento pessoal profundo deve ser complementado com uma construção de capacidades para transformação institucional e social.

Um dos maiores obstáculos que enfrentamos ao abordar questões estruturais e sistêmicas é o nosso profundo condicionamento cultural individualista. Diversos fatores e influências da modernidade têm nos condicionado a ter a experiência de nós mesmos como seres autônomos e independentes. Grande parte da nossa educação e das práticas contemplativas modernas é formulada em resposta ao seguinte quadro: enxergamos a educação e outros métodos contemplativos como ferramentas de autoajuda, pelas quais aprendemos a nos aperfeiçoar.  Esse quadro tem limitado nossa habilidade de enxergar a complexidade de formas que fazem com que nosso bem-estar dependa dos outros e das instituições e estruturas às quais estamos inseridos.

Em uma pesquisa que realizou sobre equidade e racismo na educação, a pesquisadora Leah Gordon, da universidade de Stanford, traçou as maneiras pelas quais esse individualismo moderno – ou individualismo racial, no termo cunhado por ela – definiu a direção dos movimentos do século XX que buscaram questionar a injustiça racial nas escolas. O trabalho dela mostrou que as crenças do individualismo racial sugeriam que a justiça racial poderia ser alcançada por meio da redução do preconceito entre indivíduos brancos, ou “mudando a cabeça dos brancos”. Gordon demonstrou como esse movimento negligenciou as estruturas econômicas e politicas que minam os esforços por uma educação equitativa. Essa perspectiva individual criou expectativas irreais para a equidade na educação e, no fim, acabou falhando.

É compreensível que tantos programas tenham buscado a mudança por meio de métodos voltados para o desenvolvimento individual – é difícil definir, avaliar ou propor algo quando se trata de sistemas sociais. Ainda assim, a pedagogia crítica compassiva é essencial para nos ajudar a compreender as estruturas desiguais que inibem nossa capacidade coletiva para o bem-estar e para a transformação.

À medida que nos tornamos mais conscientes das injustiças sistêmicas que assolam nosso sistema educacional, aumentamos nossa habilidade de ajudar a desmantelar o racismo e a opressão estrutural. Embora sistemas sejam complexos, não é impossível descontruir as falhas e defeitos deles. Muitos de nós podem fazer isso. Porém, para reconstruir sistemas que sejam mais compassivos e equitativos, precisaremos de um grupo de comunidades que seja empoderado e fortalecido por uma postura profundamente compassiva – que esteja apoiado em constante reflexão pessoal. Para muitos de nós, será necessário aprendermos a reconhecer e a enfrentar nossos próprios privilégios.

A boa notícia é que vários grupos estão profundamente engajados com esse trabalho. O Instituto Mind & Life está comprometido com áreas crescentes da educação compassiva e pró-social, fomentando-as mediante o patrocínio de uma série de grupos de estudos que envolvem os principais interessados nessas questões; e comprometido também em continuar a dar apoio a pesquisas nessa área. Por meio da colaboração, da educação, da pesquisa e da defesa dessa causa, além de um forte compromisso com o bem maior, esse campo tem grandes possibilidades, e nos dá muita esperança.

 

A Dra. Brooke D. Lavelle  é co-fundadora e presidente da “Courage of Care Coalition” (Coalizão Coragem para Cuidar), uma organização sem fins lucrativos dedicada a promover treinamentos de compaixão sustentável a educadores, profissionais da saúde e outros na área de serviços sociais. Ela trabalhou como consultora da Iniciativa para Ética, Educação e Desenvolvimento Humano do Mind & Life, e co-desenvolveu o programa “Call for Care” (Um chamado para cuidar) para professores e estudantes. Lavelle tem doutorado em estudos religiosos e em ciência cognitiva pela Universidade de Emory.

 

 

 

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